Carta aberta a Pedro Abrunhosa que está a incendiar as redes sociais: “nunca se calou”. O cantor está envolto em polémica depois de se colocar ao lado da Ucrânia, nesta guerra contra a Rússia e Putin.
A embaixada russa em Portugal fez uma espécie de intimidação ao cantor e muitos foram os artistas que sairam em defesa de Abrunhosa.
O escritor João Nogueira foi um deles e escreveu uma carta aberta ao artista:
“O Pedro Abrunhosa é, entre outras coisas, dos maiores intérpretes do mundo. É, entre outras coisas, dos maiores letristas do mundo. É, entre outras coisas, dos artistas com maior intervenção social. E fá-lo, sempre, com um ativismo humano acutilante, e com um leggo lexical em que as palavras encaixam sempre umas nas outras à primeira, num KamaSutra poético que dá gosto.
O Pedro Abrunhosa, de amarras soltas, acorrentou-se ao Coliseu e mandou-os, a todos, para a IURD que os pariu.
O Pedro Abrunhosa, de Ray Ban escuros, de mente clara, disse, na Alameda, cá em Lisboa, num concerto da RTP, há dois anos, num verão com máscaras e Astrazenecas, que os artistas tinham de ser pagos. Que é tudo muito bonito, mas que os artistas tinham de ser pagos. Gritou Socorro, sem se estar a apaixonar, porque era impossível resistir a tanto karma. E o Pingo Doce não se paga só com os Tudo O Que Eu te Dou da vida. É com dinheiro que se paga.
O Pedro Abrunhosa, da voz rouca, das asas que voam a cada beijo teu e do Talvez Foder, nunca se calou. Vi-o no Palácio de Cristal, em 97, e aquilo que vi não pode ter sido só um concerto. Era arte. Era um Gugenheim agitado. Um Louvre sem regras de etiqueta. Um Van Gogh a pedir a orelha de volta. Era arte. Era o Pedro a dizer que a Música podia mudar o mundo.
Vi-o em Letras, de ganga e sem óculos, em 2000. Vi-o em Penafiel, em 2017, noutra coisa qualquer, sem nome, em que os olhos abertos até cima das pessoas mostravam os sonhos que lhes iam no ecrã de muitas polegadas da alma. O Pedro Abrunhosa não é um animal de palco. As zebras, os elefantes e os leopardos é que são Abrunhosas da selva.
O Pedro Abrunhosa, dono do céu, ilumina músicas para as pessoas fazerem aqueles truques que aprenderam no cinema. Mas isso é pouco. Acende corações com graves perfeitos de tão imperfeitos e nunca deixa só aqueles que são levados pelas balas de um qualquer inimigo. Porque é tão só estar só no fim.
O Pedro Abrunhosa, afinal, tem das melhoras vozes de Portugal. É das pessoas mais afinadas que ouço. Põe-me a dançar. Mas põe-me sobretudo a pensar. Não é um bibelô. Não é pela cintura de vespa ou pelo braço de Popeye que é falado. É pelo que faz. É pela música. E por tudo o que se passa nas músicas que pensa.
O Pedro Abrunhosa é o Tom Waits do Porto, cujas músicas fizeram trezentos mil Porto-Lisboa comigo. Do walkman ao spotify. Da puberdade até à quase meia idade. Tantas vezes quis voltar para os braços da minha Mãe. Tantas vezes a saudade foi tamanha. Tantas vezes voei em contramão. Mas as viagens da minha viagem têm tido uma Lua mais bonita também pelo Pedro Abrunhosa.
Que os tem no sítio”.